sábado, 29 de agosto de 2015

Capítulo 3

 Mal tive tempo de pensar, pois ouvi algo se quebrando e foi aí que eu levantei. Minha visão ainda estava meio embaçada e o cansaço tomava conta do meu corpo, mas consegui enxergar os números vermelhos em cima do meu criado-mudo. 3:30 da manhã. Não era possível. Eu ouvia vozes, as pessoas não gritavam, mas não se hesitavam em pisar forte sobre o chão de madeira.
 E eram vozes maculinas.
 Vasculhei meu quarto á procura de alguma coisa que eu poderia usar ao abrir a porta, mas não achava nada. Estava muito escuro e eu não tinha a máxima coragem de acender a luz.
 Foi aí que as vozes cessaram.
 Eu prendi a respiração. Eu estava parada no meio do quarto ao lado da cama, eu não havia me mexido, mas agora muito menos eu pretendia me mexer. Meu coração estava acelerado. Será que eles tinham ido embora? Será que acharam alguma coisa pra levar? Eu não fazia ideia, porque sinceramente não havia nada pra levar, a não ser que tivessem achado o pote de dinheiro que guardo dentro da gaveta na cozinha, mas lá só tinham uns 30 dólares.
 Foi quando de repente um pânico horrível tomou conta de mim quando senti mãos tamparem a minha boca e um ferro frio e congelante encostado em minha cabeça.
 — Quietinha, quietinha...
 A voz masculina era suave e abafada, e falava perto do meu ouvido, o que me causou horríveis tremores. Meu coração pulsou e eu não sabia o que fazer, estava estática e apenas pensando que não existia forma pior de morrer.
 — Não fale. Não solte um pio.
 O cara falou mais uma vez e de repente os passos reapareceram de novo, dessa vez correndo, e abriram a porta do meu quarto em um rompante. Eu ainda não conseguia me mexer, mas consegui ver os dois caras que haviam entrado. Eles se vestiam completamente de preto, mas com a cara desnuda, então isso me fez pensar se eram bandidos realmente. Um era alto e forte e tinha a cabeça raspada, e segurava uma arma nas mãos. O outro era mais magro, mas era muito mais alto que o outro, e tinha um cabelo grande, que pegava quase no ombro, e também estava com uma arma na mão. Os dois olharam para o cara que estava me mantendo refém.
 — Está tudo limpo! — falou o de cabeça raspada. Eles estavam falando normalmente e baixo, o que me fez pensar que estavam querendo ser discretos. — Podemos ir agora, conseguimos despistar a polícia.
 — Ótimo. Está na hora, não vejo a hora de deixar essa cidade. — o cara que me segurava disse.
 De repente eles pareceram notar a minha existência.
 — John, quem é essa? — perguntou o de cabelo grande.
 John? Onde foi que eu ouvi esse nome?
 — Sei lá, deve ser a dona do apartamento. Acho que a acordamos.
 — Mas que belezinha, hein... — o cara de cabelo grande me olhou de cima baixo e eu já estava com uma certa raiva misturada com medo desses caras. Pior ainda que estava com a camisola que Candice havia me dado.
 — Ok, mas agora podemos ir, mate-a, senhor. — disse o cara de cabeça raspada, que também me olhou de cima abaixo, mas sem todo esse interesse.
 — Matá-la? Isso seria uma buzina para os policiais nos acharem, Connor. — falou John atrás de mim.
 Nesse momento, ele soltou sua mão de minha boca e me jogou na cama com violência, e nesse momento eu percebi o quanto eu quase chorava. Eu não tinha nem forças pra gritar, quando mais me defender, mas estava apavorada demais e tremia.
 — Por favor... — choraminguei.
 — Quieta! — John disse entredentes, e não havia tirado a arma de minha cabeça.
 Eu começava a quase soluçar nesse momento, e de repente a ideia de morrer não pareceu muito satisfatória.
 — John, é muito simples: a matamos e depois escondemos o corpo, só vão perceber que ela sumiu quando estivermos a milhas de distância, não está pensando em deixá-la viva pra abrir o bico, não é?!
 John pareceu pensar um pouco com a sugestão de Connor: me matar. Eu ainda não havia virado a cabeça pra trás pra olhar o sujeito que estava querendo me matar com uma arma na minha cabeça, mas seu nome não me era estranho, e eu fazia de tudo pra me lembrar naquele momento.
 — Não podemos matá-la. — John falou baixo, mas a ponto que todos escutassem — Pelo menos não aqui.
 Nesse momento, ele tirou a arma da minha cabeça, mas antes que eu pudesse falar algo, de repente tudo ficou escuro. Eu senti um pano sendo colocado na minha cabeça e eu já não enxergava mais nada e nem via as pessoas.
 Não. Eles não podiam fazer isso...
 — Vamos levá-la, é o único jeito. Não podemos matá-la aqui, vai ser muito óbvio, temos que sair o mais rápido possível dessa cidade, não temos tempo pra matar e depois enterrar um corpo! — dessa vez John quase gritou.
 — Eu entendo esse seu lance de ser discreto, John, mas levá-la não vai adiantar nada, ela só vai ser um peso a mais. — ouvi a voz de Connor.
 — Nós nos livramos desse peso mais tarde, agora precisamos ir embora!
 De repente, eu ouvi uma buzina muito alta vindo da rua. Ninguém buzinava daquele jeito na minha rua. "Porra..." ouvi a voz de John e de repente eu estava sendo arrastada pra fora com pontos a cegas e fiz a única coisa que me passou pela cabeça: gritar! "Me larga!" eu repetia inúmeras vezes, com a esperança de que algum morador fosse me escutar, já que era de madrugada e ninguém devia ter o sono tão pesado. Eu ainda esperneava o bastante e recebi pelo menos uns mil "cala a boca" e senti um soco no rosto.
 Bati a cabeça em algo duro quando me abaixaram e percebi que estávamos entrando em um carro. "Acelera, Luke!" gritou John e o carro começou a andar. "Quem é essa?" "Como assim?" "O que vamos fazer com ela?" eram perguntas que eu escutava de relance, pois tudo que eu sabia fazer era gritar.
 — CALA A BOCA! — gritou John mais uma vez — Ninguém vai te ouvir daqui, vadia, e pode chorar o quanto quiser.
 Porque na verdade eu estava chorando mesmo. Eu estava morrendo de medo.
 — Porque... Porque? — Eu repetia em meio a soluços e ouvi risadas no carro.
 — Apaga essa vadia, pelo amor de Deus, não aguento mais escutar essa voz.
 E foi quando eu senti uma forte pancada na cabeça e tudo ficou escuro.

 Vários flashs passaram pela minha cabeça. Em uma hora eu via vultos rápidos que pareciam uma estrada, depois pude jurar que vi o céu e sentir a turbulência de estar em um avião. Lembrava-me vagamente de meu estômago se retorcendo por alguns minutos, mas depois o apagão voltou. Vi paredes cinzas e um carpete indiano laranja passarem ao que pareceu uma memória muito distante. Eu parecia estar extremamente dopada.
 Quando finalmente voltei a mim, eu estava em um ambiente completamente diferente. Meus olhos ardiam, minha cabeça explodia e minha visão estava turbulenta demais pra que eu enxergasse um palmo a minha frente. Consegui virar um pouco a cabeça e senti o ambiente inteiro rodar, como quando acontece ao ir numa montanha russa sem comer nada. Meus olhos abriam e fechavam, eu estava completamente confusa e desnorteada.
 Lutei contra a dor no corpo e a exaustão e me sentei de uma vez só, num rompante. Abri bem os olhos, ignorando todas as dores que eu estava sentindo e finalmente me situei.
 Um quarto. Eu estava em um quarto.
 Olhei para baixo e vi que estava em uma cama de casal. Uma cama enorme com lençóis brancos de seda. Olhei para os lados e minha cabeça girou novamente, mas dessa vez pela surpresa e espanto. O carpete indiano laranja estava no chão a meus pés, com um belo piso de madeira que só me lembro de ter visto algo tão fino nas casas dos amigos da família de Jesse. A parede cinza estava sem nada, nem ao menos um relógio, um retrato. Olhei mais para minha esquerda e vi uma janela tão grande que pegava do chão ao teto, com uma cortina também cinza cobrindo tudo. Eu estava tão desnorteada que não imaginava o horário e muito menos que dia era, mas podia ver uns raios de sol querendo penetrar na cortina.
 Arfei. O que estava acontecendo? O que era aquilo? Lentamente, senti meu corpo tremer. Dessa vez percebi que estava com a mesma roupa, com a camisola de Candice.
 Candice. Jesse.
 Oh meu Deus, eles nem sabiam onde eu estava. Nem consigo imaginar a reação deles ao chegarem em meu apartamento e não me verem. O que eles diriam, o que iriam fazer? E meu estágio, minha faculdade, minha carreira...
 De repente senti uma vontade imensa de chorar. Nunca senti tamanha vontade de soltar tudo pra fora. Eu não era do tipo de pessoa que chorava, que se escondia pra isso, eu não precisava. Sabia exatamente o quanto já havia chorado na vida.
 Mas dessa vez parecia um real motivo. Eu não sabia onde estava, mas sabia exatamente que estava muito longe das pessoas que eu amava. Eu estava longe da minha vida.
 Mais rápido do que a vontade de chorar foi a raiva que se apossou de mim. Todo o medo que eu tive de morrer na mão dessas pessoas que deveriam estar só adiando a minha hora se transformou em um ódio imenso. Eles haviam me tirado de minha própria casa, me sequestrado, e por algum motivo eu tinha certeza de que iria morrer. E, pelo que eu via a minha volta, eles não eram apenas amadores.
 Com esse misto de sentimentos, olhei novamente em volta. Fora a cama, não havia muita coisa significativa naquele quarto chique que parecia de um hotel de Las Vegas. Finalmente me levantei. Demorei um pouco pra ficar em pé por conta das dores que eu sentia nas pernas, mas logo me localizei. Minha visão ainda estava turva, mas eu sabia o que queria olhar primeiro: a janela.
 No momento em que abri a cortina, quase fiquei cega. A claridade era tamanha que feriu meus olhos e eu tive que dar um passo pra trás. Quase caí na cama de novo, mas logo tentei me recompôr para me chocar com que vi.
 Nada. Isso era o que mais me assustava. Eu não via exatamente nada. Eu parecia estar em um lugar muito alto, mas não conseguia ver quase nada a minha frente. Porque simplesmente a única coisa que era visível era uma parede de metal.
 Um arrepio passou por minha espinha. Onde diabos eu estava?
 Olhei rápido para trás, dessa vez procurando algo por aquele quarto que eu poderia usar. Na minha antiga experiência isso não deu muito certo, tanto que estou aqui agora, mas iria tentar não falhar dessa vez. Andei um pouco por aquele quarto e percebi o quanto ele era grande e espaçoso, era praticamente do tamanho do meu apartamento.
 De repente me virei e percebi a porta. Por um impulso, me aproximei dela e encostei as mãos na maçaneta, mas parei imediatamente. Com certeza essa porta estaria trancada, e se eu mexesse nela, com certeza teriam capangas de cotia esperando qualquer movimento meu pra entrarem e sabe-se lá o que fazer comigo. Tirei lentamente minhas mãos, pensando em mais alguma coisa.
 Percebi que havia mais uma porta no quarto, só que era bem pequena que a principal. Dessa vez eu abri e vi que era um banheiro. Era bem maior que um banheiro de suíte normal. Tateei a parede atrás de um interruptor e acendi as luzes, que mais uma vez machucaram meus olhos.
 Não havia nada a mais, nada que me ajudasse. Cambaleei um pouco até a pia e me olhei no espelho.
 Meu cabelo estava um horror, Candice morreria se visse isso. Encontrei uns hematomas em meus braços que eu não conseguia me recordar da onde poderiam ter vindo. Mas o que me chamou atenção foi a grande mancha vermelha em minha testa. Sangue. Alguém havia me dado uma pancada e tanto, e o ferimento não era de hoje.
 Respirei fundo, pondo minhas mãos na pia. O que eu iria fazer? Abri as prateleiras a procura de alguma coisa. Toalhas, escova de dente, creme dental, Shampoo, algumas roupas estavam em cima da pia... Qual é, isso por acaso havia virado serviço de quarto?
 De repente vi algo que me interessou. Bem no fundo de uma das prateleiras havia uma caixa que mais parecia uma pochete. Puxei-a imediatamente e descobri que haviam alguns esmaltes ali dentro. Eu ri. Irônicamente, eu achei aquilo engraçado. Eu não devo ter sido a única hóspede. Já estava perdendo as esperanças quando uma luz metal brilhou bem no fundo da bolsinha. Um alicate.
 Uma chama se acendeu dentro de mim. Um alicate. Não era muito, mas era alguma coisa. O que eu mais queria na vida era sair daqui. E aí tudo certo. Eu não sabia onde estava, nem sabia se era dia ou noite lá fora, mas eu me virava. Não tinha noção de tempo, mas tinha certeza, pelo estado de meus ferimentos, que já haviam se passado umas 48 horas desde que eu sumi. Jesse estava me procurando, Candice também, eles não iriam desistir, eu tinha certeza.
 Peguei o alicate e guardei as coisas em seu devido lugar. Estava pronta pra tentar sair desse lugar, custe o que custasse. Respirei fundo e me preparei pra sair do quarto quando de repente escuto barulho de chaves.
 Antes disso, o quarto estava em um silêncio tremendo, eu não ouvia nada do lado de fora. Agora eu ouvia a porta sendo aberta e eu ainda estava no banheiro, o que me causou náuseas. O que eu faria agora?
 Fiz a primeira coisa que passou pela minha cabeça: rastejei um pouco para apagar as luzes do banheiro antes que eles percebessem e fechei a porta, me recostando atrás de uma enorme pilastra de mármore que eu havia reparado na última hora. Com o alicate na mão.
 Eu preferia pensar que hoje não era meu dia de morrer.

Um comentário:

  1. Você postou!
    E meu Deus, faz tanto tempo! Eu não recebi a notificação na época, acho, mas estou aqui agora e preciso comentar com você o quão boa essa fanfic está sendo e pelamor, se você tiver lendo isso aqui, termina logo essa fic que meu coração não aguenta.
    Enfim, está tudo maravilhoso e eu estou muito curiosa. Você escreve bem pra caramba, viu?

    bjbjbj,
    a-dor-da-liberdade.blogspot.com

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